quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Crime e Ressocialização

O empreendedor honesto que, poupando seus próprios recursos, investe-os cuidadosamente, sabe que empreender é um risco. Aquele que se absteve de consumir e, inteligentemente, optou por converter seus recursos em bens de capital, isto é, bens capazes de gerar riqueza, ainda assim padece das incertezas quanto ao futuro. A atividade que hoje é lucrativa pode não ser futuramente, e, a depender do caso, experimentar a completa falência. No Brasil, por exemplo, muitos foram os que investiram em locadoras de filmes, o que se provou um fardo cruento com o advento da facilidade da pirataria em mídias físicas e dos downloads e streamings de filmes em alta definição. Os empresários do ramo que não conseguiram se adaptar perderam suas locadoras e soçobraram em dívidas, prenunciando a outrora impensável falência da multinacional Blockbuster. É nesse diapasão que o lucro, a despeito do fetichismo socialista, encontra respaldo. Os bens de capital são, em regra, adquiridos mediante esforço e abstinência do poupador; que deverá arcar com o risco de sua própria atividade e responder pela administração e evolução da empresa, bem como pelos compromissos firmados.

A lógica por trás do crime é análoga. O crime é, de certa maneira, um empreendimento. Não um empreendimento honesto, mas um empreendimento com a máxima flexibilidade que o emprego do termo nos permite. A analogia reside no risco envolvido na prática criminosa e no risco da atividade empresarial honesta. Se um empreendedor honesto, ao analisar o cenário econômico daquilo em que pretende investir, entende que o risco não compensa, dificilmente investirá seus recursos. Ponderar a respeito da viabilidade de qualquer esforço é algo inerente à condição humana. Há, claro, os parvos de entendimento, que desperdiçam sem alguma parcimônia todos os seus esforços naquilo que não os compensará, mas essa é a exceção. Nessa lógica, é mui estulto quem argumenta que um bandoleiro faz o que faz por não ter nada a perder: sim, ele tem. Nenhum facínora deseja perder seus bens, sua liberdade ou sua vida. Destarte, o empreendimento criminoso ocorre não porque não se tem nada a perder, mas sim porque se crê que isso não acontecerá. A criminalidade vem aumentando porque tem sido, cada vez mais, uma atividade lucrativa de baixíssimo risco.

Em uma sociedade com leis brandas e tolerância elevada à atividade criminosa, seus riscos são cada vez mais toleráveis. Disso decorre o patente aumento na quantidade de crimes. Na mente de um bandido, não se trata apenas da certeza da impunidade, mas também de ser mal punido quando capturado. Infelizmente, a perversa ingenuidade socialista crê que com meras políticas sociais e com abrandamento no tratamento para com os malfeitores haverá diminuição nos índices criminais. Essa aposta socialista na antropologia moderna, que vê o homem como naturalmente bom ou neutro, não leva em conta a propensão natural do ser humano ao crime. O recrudescimento da lei penal e do tratamento para com facínoras é essencial para lidar com a criminalidade. A Lei Mosaica traz um exemplo viável de sanção capaz de tornar a atividade penal onerosa para seu praticante; trata-se do princípio da restituição múltipla.  Em Êxodo 22:4, lemos: “[...] se o furto for achado vivo na sua mão, seja boi, seja jumento, ou ovelha, pagará o dobro". Hoje, existem propostas que intentam permitir ao ladrão, uma vez capturado, devolver apenas o que furtou e ficar isento de pena, contanto que a vítima o permita. O crime, no entanto, extrapola a órbita individual; é matéria de ordem pública e, sobretudo, de ordem divinal, da qual o magistrado comissionado por Deus não pode omitir sua espada. Fosse possível todo surrupiador ser isento de pena por devolver a res furtiva, não haveríamos de estranhar o aumento vertiginoso dos crimes de furto.

Os papéis do arcabouço jurídico e dos magistrados são punir o malfeitor, retirar o mal do meio do povo e impedir que se instale na sociedade qualquer tipo de dúvida quanto à adequada punibilidade da prática delituosa. Por isso, qualquer política penitenciária "ressocializadora" que substitua a verdadeira pena por serviços comunitários compulsórios, meras devoluções de objetos ou pagamento de multas brandas é imoral.  Do contrário, o crime passa a ter riscos toleráveis. Ressocializar é, em si, um termo pouco relevante. Só há crime onde há indivíduos perversos que já vivem em sociedade. A maldade reside no homem, e não no fato de fazer parte ou não da sociedade. Na verdade, o típico socialista, ao dizer que deseja ver um malfeitor socializado, deveria dizer que, pela prática criminosa, ele deve ser recompensado com oportunidades de trabalho e estudos pagas com o dinheiro de impostos de cidadãos que seguem as leis. Nada mais estapafúrdio! 

Assim, quando se vive em um mundo onde as pessoas são incapazes de fazer o bem por amor e por respeito à vontade revelada de Deus, o mínimo que se pode fazer é empreender esforço para tornar a prática criminosa desvantajosa e contraproducente. Não existe segredo: enquanto lobos são poupados, invariavelmente mais e mais ovelhas são sacrificadas.

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Democracia: um deus (Parte I)

Qualquer sistema coletivista é passional e presunçosamente messiânico. A superação do ser individual é a grande eclosão do coletivismo, e disso decorre que nenhuma pessoa pode ser edificada sobre outra coisa senão o social. O coletivista dirá, com aquela empáfia que lhe é característica, que os sistemas coletivistas têm como âmago o reconhecimento da interdependência de todos os seres humanos, e não na negação do indivíduo. Tal afirmação, contudo, além de se mostrar historicamente inconsistente, pretende monopolizar o reconhecimento de interdependência, como se para reconhecer que as pessoas dependem umas das outras fosse imprescindível aderir a alguma espécie de coletivismo. O fato é que a experiência histórica nos revela que qualquer sistema coletivista tem levado a um recrudescimento da coerção da maioria ou da "minoria barulhenta" sobre os outros grupos e indivíduos.

A antropologia moderna, ao afirmar certa bondade ou neutralidade na natureza do homem, leva-nos a pensar que os ajuntamentos massivos de seres humanos devem possuir essa mesma bondade. Tivesse persistido a antropologia cristã como dominante na cosmovisão moderna, com sua ênfase no pecado e na natureza caída de cada ser humano, provavelmente menor confiança seria depositada no povo e na sua capacidade de decidir com justiça e equidade. Destarte, é justamente em virtude de uma antropologia secularizada que qualquer sistema coletivista ganha força e aparente legitimação. 

Quando um coletivista democrata deposita confiança na decisão da maioria ou, como se costuma dizer, "do povo", parte da premissa de que uma maioria tem potencialidade real de ser mais justa que a minoria, e que distribuir o poder para o maior número de indivíduos minora os quadros de insatisfação da sociedade. Há um quê de verdade nisso, como bem ressalta Frank Karsten: "um dos aspectos mais perversos da democracia é o de que os abusos do governo contra os direitos individuais são mais facilmente aceitos pela população, devido a ilusão de que numa democracia é o povo quem governa".

Desta feita, pode-se questionar se há de fato uma distribuição de poder ou se ele será sempre exercido por uma minoria. Essa minoria será um pouco maior em um estado socialista, mas apenas em virtude de sua acachapante necessidade de maquinário para manter o intervencionismo totalitarista que lhe é intrínseco, onde o voto, com a escusa de ser poder indireto, torna-se mera ferramenta ilusória para gerar uma sensação de potencial mudança para melhor. É como estar com as rédeas de um cavalo morto nas mãos: tem-se à mão o objeto utilizado para controlar, mas o que se julga controlar não funciona.

O princípio da alternância de poder e do término do "direito de sangue" dos governantes, tão endeusados pelos democratas, procuram embasar a afirmação de que é através do voto que há, de fato, o exercício de poder por parte do povo, que passa a ter a capacidade de depor governantes e substituí-los em processos regulares de eleição, bem como a possibilidade de cada um ser votado. Esses princípios têm lá suas boas qualidades: não afirmam a superioridade ontológica de um indivíduo em relação a outro e possibilitam a exclusão dos perversos da política. Nada obstantes, essas são qualidades virtuais, e apenas virtuais. Funcionam no macroconceito da democracia, mas ignoram que é com a mesma potência com que se retira um governante ruim do poder que também são depostos os mais justos e eternizados os escroques sucateadores das liberdades e surrupiadores dos tesouros dos indivíduos.

Isso significa que a resposta que buscamos é aparentemente mais recôndita. É no bom conceito de o que vem a ser o povo que residem as esperanças democráticas. Mas o que é o povo? Karsten elucida que "o primeiro problema é que 'o povo' não existe. Há milhões de pessoas apenas, com milhões de opiniões e interesses. Como um comediante holandês disse uma vez: 'A democracia é a vontade do povo. Toda manhã eu fico surpreso ao ler no jornal o que é que eu desejo'". Ontologicamente, o povo não é um organismo sinérgico, onde o todo é maior do que a soma das partes. O povo é exatamente a soma de suas partes; e suas partes são contraditórias e comumente procuram apenas as satisfações mais imediatas de seus próprios interesses egoísticos. São muitos grupos interessados em impor sobre os outros os seus próprios interesses através da democracia. O vencedor passa a ter o direito de utilizar a máquina coercitiva do Estado para minar a liberdade alheia.

Partindo da antropologia cristã, o ser humano é naturalmente corrupto, egoísta e com propensões à dominação injusta. O coletivista democrata tem a esperança de somar milhões de indivíduos com natureza caída para então gerar um corpo coletivo com natureza justa e etérea. É como juntar três terroristas convictos em um sistema fechado e esperar que deles saia um pacifista nato. Ledo engano! O grupos efervescentes da sociedade levam as características de seus indivíduos. Nenhum sistema meramente filosófico-político pode ser a esperança de mudança das injustiças deste mundo. No final, o problema está no ser humano. Daí decorre a necessidade de redenção, e não de criação de um sistema à prova-de-tudo. A razão de nos preocuparmos, então, especificamente com a democracia é em virtude de seu caráter de deidade intocável, messiânica e axiomática nesta modernidade. Ademais, embora nenhum sistema esteja salvaguardado da maldade humana, há sistemas melhores que a democracia, que muito brevemente serão tratados noutras ocasiões. Contudo, resta-nos uma primeira conclusão: um sistema que dilui o indivíduo na massa disforme do coletivo, que promete a salvação, que se baseia no monopólio da virtude para adquirir um status de inquestionável e coercitivamente suplantar os direitos dos indivíduos sequer poderia ser tido como uma opção.